Não bastasse a pandemia da Covid-19 e demais percalços, a economia brasileira vivenciou em 2021 a chamada crise hídrica.
Ela foi agravada pela estiagem que resultou na escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas, responsáveis por mais de 60% da eletricidade gerada no país. Foi a pior em 91 anos.
Para enfrentar a situação, o governo federal adotou medidas como a liberação de geração de energia por termelétricas, em que o custo do megawatt-hora (MWh) é até cinco vezes maior que o da hidrelétrica. Também foi criada uma nova tarifa, a ‘bandeira de escassez hídrica’, que inseriu na conta de luz R$ 14,20 a cada 100 kilowatts-hora (kWh). Até então, a bandeira mais cara ficava em menos de R$ 10 por KWh.
As medidas deram resultado, assim como a incidência de chuvas nas cabeceiras de reservatórios, registradas já em outubro (leia mais aqui).
Some-se aí o fato de a produção industrial ter recuado diante demanda reprimida e falta de insumos, o que fez a demanda por eletricidade cair, e o saldo foi o de que o país enfrentou a crise hídrica. Em linha, o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, descartou, no começo de dezembro, qualquer possibilidade de apagão.
Isso tudo seria motivo de celebração, certo?
Sim e não.
O sim já está descrito acima. Já o não é que os custos decorrentes da crise hídrica estão longe de acabar.
Como assim?
Em primeiro lugar, tem a tarifa “bandeira de escassez hídrica.” Exceto para famílias de baixa renda às quais é aplicada a chamada Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE), os demais consumidores seguirão pagando a taxa extra até abril.
Tem um detalhe aí: o governo abriu brecha, via Medida Provisória, para que essa taxa possa ser reeditada a partir de abril.
Ainda em relação a essa tarifa, a isenção de estimados 25 milhões de consumidores via TSEE terá de ser bancada, uma vez que o custo adicional é estimado em R$ 3,3 bilhões.
Inicialmente, quem banca o benefício são as distribuidoras de energia, que emitem as contas de luz. Mas essas são ressarcidas pelo governo federal.
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‘Herança maldita’
Entretanto, tem também uma herança da crise hídrica já denominada de maldita. Trata-se de um custo de R$ 140 bilhões, decorrente do acionamento das usinas térmicas, que governo – e consumidores – terão de quitar nos próximos 20 a 30 anos.
A estimativa dos R$ 140 bilhões é do Instituto Clima e Sociedade (iCS), do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). Leia mais a respeito aqui.
‘Tarifaço’
Tem mais. O pagamento do alto custo da crise hídrica de 2021 precisa começar a ser pago. No caso, o ônus será bancado pelos consumidores.
No entanto, para evitar um ‘tarifaço’ e levantar recursos para começar a cobrir a despesa, o governo publicou em 13/12 a Medida Provisória (MP) 1.078/2021.
Em síntese, a MP autoriza um gigantesco empréstimo ao setor elétrico.
Os recursos, que podem chegar a R$ 17 bilhões, serão usados para reforçar o caixa das distribuidoras e custear medidas emergenciais adotadas para conter falhas no fornecimento de energia – afinal, a crise hídrica saiu de cena, mas pode retornar.
A viabilização do aporte do financiamento deverá ser orquestrada pelo BNDES, mas, de novo, sobra para o consumidor.
É certo, sim, que ele fica livre de um tarifaço imediato. Mas a conta do financiamento será diluída gradativamente nas contas de luz.